terça-feira, 22 de maio de 2012

Márcia Maria da Cruz: Em defesa da Xuxa

Nunca pensei que escreveria um texto em defesa da Xuxa. Quando criança amava o Xou da Xuxa, como muitos de minha geração, mas logo que entrei na adolescência comecei a questionar o padrão paquita. Lógico que na época não tinha clareza do que me incomodava e também não conseguia objetivar uma crítica. Era mais uma percepção de uma menina que não estava naquele padrão. 


Xuxa
"Ela presta um serviço ao dar esse testemunho"
Depois que cresci, fiquei pensando o quanto mal ter todas as manhãs, pela TV, aquele tipo único de beleza foi para um país com tantos tipos de beleza, em um país em que a maioria da população é formada por negros e mestiços. Por tudo isso, sentia que o programa fez um desserviço a ideia de diversidade e até de feminino que se tem no Brasil. Pois bem...

Ontem, Xuxa deu entrevista ao Fantástico e, mesmo sendo vista como celebridade decadente, arrancou a atenção de muita gente haja visto o número de comentários em tempo real no Facebook, bem como a repercussão que vejo hoje por aqui. A Xuxa parecia uma pouco desconectada do mundo. Dizer isso é chover no molhado, uma vez que é uma percepção geral.

Mas mesmo com todas as críticas que tenha ao formato do programa que ela comandou, pela apresentação de alguns valores que são pouco formativos em minha opinião, considerei que a entrevista teve papel importante ao tratar de tema tabu que é o abuso e exploração sexual de crianças.

Como mulher, imagino que não é uma decisão fácil escancarar para quem quiser ouvir que se foi abusada. Ela presta um serviço ao dar esse testemunho. Quem poderia imaginar que Xuxa havia sido abusada na infância? O dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data serve exatamente para dar visibilidade a casos como esses que ficam sempre no âmbito privado, mais do que isso é um segredo, uma carga que muitas crianças, adolescentes e mulheres já adultas carregam.

Muitas meninas e meninos sofrem abuso de pessoas próximas. Como Xuxa disse de pais, tios e, por essa razão, sentem-se constrangidos em dizer. Imagino que não é fácil ir a público falar sobre isso, mas ao mesmo tempo é uma libertação poder falar de algo tão torpe. Poderia ser algo dito no divã como muitos sugeriram, mas quando ganha o espaço da TV lança luz sobre a questão, dá visibilidade ao tema.

Por mais que algumas partes da entrevista de Xuxa tenham sido completamente nonsense, essa declaração não pode ser ofuscada e penso que a potência de a entrevista revelar tais situações não pode ser esquecida.Apesar de toda crítica que tenho não a Xuxa, mas ao que ela representa em termos de padrões que negam a diversidade, caucada em relações comerciais, não posso, como mulher, não ser solidária a ela e a qualquer outra mulher e homem que sejam vítimas de abuso. Ouvi muita gente dizendo que Xuxa fez filmes pornô, que estabeleceu relações por interesse com outros homens. Não considero que esses aspectos minimizam o fato de ela ter sido abusada sexualmente na infância. Abuso e exploração sexual são atos torpes, mas que infelizmente ocorrem muito mais do que imaginamos. Que a declaração seja oportunidade de nos mobilizarmos contra situações como essas.

Márcia Maria da Cruz é jornalista e repórter do jornal Estado de Minas, professora na PUC Minas e na Faculdades Promove. Gentilmente publica com exclusividade esse artigo no Vermelho 

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